sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Strip Teasouro conto?


“eu sou como eu sou
pronome
pessoal intransferível”
Cogito- Torquato Neto

Strip bones, de ossos tentando trepar e escorregar nos absurdos, nos abraços dos outros. Eu queria que os meus ossos correspondessem à vontade do poste, de ser vagabundo dentro de mim.

Só porque eu queria ser cantora que nem a Courtney Love? Só porque eu queria usar camisa xadrez e beber água da torneira para desenrolar cabelos loiros alisando o meu ego (aquele mesmo que revestia meus ossos)? Isso não é motivo suficiente para já ir tomando o meu pé como endereço sem nem mesmo ter a decência de saber do meu nome. Meu nome, linha de domínio, fronteira principal e abstrata entre mim e tudo que não me é a minha volta, entre mim e as camisetas dos meus iguais, entre o fim do meu vestido e o começo da sua boca. Meu nome, (com)prova inquestionável da minha matemática de vida: “quem manda nessa porra aqui SOU EU”, quando a porra sou eu mesma. Meu nome, meu único acessório que se expõe como prenhe e ao mesmo tempo autônomo de mim, sem estar disposto para o consumo alheio.

Só quero dizer que mesmo tendo um nome corriqueiro, eu tenho um e um que eu escolhi, assim que resolvi deixar quem (me era, mais do que) eu era para aquém da porta de meu quarto. E se quisesse ter feito do meu nome arruaceiro, mesmo como uma mentira antes comprada do que inventada, de qualquer forma me seria direito já no meu DNA! Minha vida tão importante para mim, calculada por carências, por fórmulas exatas chantageadas, por “porquês” incoerentes com suas frases... Tá bom, admito, queria ser bastarda e abastada no mesmo cômodo. Queria poder desfrutar de quantos opostos quisesse, dentro da minha pele deslumbrada. Queria, mais do que tudo, pedir o carinho daquela música; pedir que ela me adotasse e me levasse pela mão, de modo que pudesse exibi-la como um troféu. 

1998. Com quatro anos, ao cair no vídeo de Cross Bone Style quando estreava, eu já tinha a habilidade de pisar na cabeça de qualquer um que me negasse condecorações (dentro da minha cabeça). Decidi com meu namoradinho imaginário que ouviríamos essa música e só essa música, até o momento em que eu estivesse velhinha o bastante para conhecer o menininho e casar com ele. Ao longo dos anos, depois de receber pessoas de verdade que, dentro do meu próprio quarto, lembravam de outros nomes e me pediam para escutarmos outra música além de Cross Bone Style, desisti das pessoas que me faziam e me viam óbvia em qualquer hora e ponto de esquina. Desistia tanto das pessoas oficializadas quanto das virtuais.

Conforme traía signos, movida pelo meu ego ferido por eles, eu sentia mais e mais vontade ou de encaixotar meus discos ou de queima-los. Ou de ler meus livros ou de fazer deles um vestido de retalhos; mas acabava sempre escolhendo pelas sobras de maçã na geladeira e esquecia de tudo. Percebi inclusive que cortar o cabelo começava com uma dúvida cara. Rasgar as fotos e os poemas da parede era a resposta para uma dúvida besta.  Não era do meu quarto nem do meu pijama que eu ia embora, ao ter conseguido transformar cada neurônio nos gestos que a coreografia do clipe pedia. Não precisava nem retomar aqueles gestos pra me explicar; não tinha ninguém em especial que carecesse de me saber indo.

 Eu contraía riscos no meu pé conforme contrariava as regras da minha casa. Aí, achei melhor ir embora. Dava pra dormir por duas horas lá? A Consolação era o shopping mais vazio que eu tinha visto. No corpo dela já era Natal. Adorava a maneira como as lojas de luzes com seus enfeites e bolas montavam uma expectativa do natal. Imaginava as crianças tendo a ilusão do natal na loja de enfeites: fetiches da expectativa natalina, almejada como um prazer sexual. Enganavam as pobres; faziam as crianças retrocederem à seus fetos prematuros dois meses de suas vidas pois, na consolação, já era dezembro. O dezembro de plástico mais fulero que já tinha visto.  Mas não posso me pretender superior em relação aos pobres senhores que acreditam cegamente no dia de ganhar presente. Muito menos comparada as jovens mulheres que querem ser homens velhos e o vice versa da dúvida própria.  

(continua, vá...)