sábado, 26 de novembro de 2011

Eu não sou dona nem da minha barriga

(pois eu tenho vergonha de ter parido em mim o que eu não era e de ter mostrado pra você)
Eu sou uma mulher vendada
Acariciando a barriga minha
Eu tenho um corpo vulnerável e cheio de medo
E a barriga minha é estéril de bebê
E de qualquer coisa que vive por si mesma,
Pois qualquer nascimento em mim não é espontâneo
(eu pressiono muito)
Pois ela é barriga d’água
Barriga d’água que me afoga e me engana
Me engana e, portanto, mata a minha fome
Porque me impede de ver o que viola
A minha criança mimada
Eu sou uma mulher vendada acariciando
A minha barriga embalada a vácuo
E se meu ouvido ainda escuta,
tá entupido pra qualquer um
Que não seja eu
Eu sou uma mulher vendada
acariciando a minha barriga cheia d’água
Por isso não me pergunte mais nada
Que eu achei que soubesse responder
Não se aproveite do fato
Que eu sou uma mulher pelada
Em frente ao espelho que me ignora
E que, mesmo não tendo mãos,
Arranca, com desprezo, o meu vestido de bolinha
Não me pergunte por que eu menti pra você e pra mim
Não me pergunte por que eu exijo colo
de quem eu não conheço
por falta desse bebê que eu não senti
Não me pergunte por que eu gosto de chorar assim
(sendo que agora tenho que mendigar lágrima na rua)
E eu sou uma mulher vendada
Que acaricia a barriga pesada
(que acha que tem o bebê que me enganou e que me fez fugir do meu destino), portanto,
Não pode ser responsabilizada por ter brincado de ser
(ou parido) aquilo que queria, mas nunca foi
Eu sou uma mulher vendada (que acaricia a barriga de uma desconhecida nua, que convive no mesmo corpo instável)
Que merece pena
Por ter que se contentar em ser o que é
Sendo que se resumir apenas ao que se é, é frustrante
É frustrante e coça na minha pele de tritão
Por isso eu uso venda antialérgica nos olhos
Por isso eu uso máscara tirada do lixo do final da festa
Para ser um pouco mais do que esse eu estéril
Pra ser uma mulher vendada que
Acaricia a barriga nua como se tivesse companhia
E mama do leite que gerou por gravidez psicológica
Como se fosse capaz de parir o próprio presente
Vou embora do tempo
Nem que eu tenha que sair da minha barriga, repetidas vezes